Os 190 canecos – um exemplo da vida real

Uma empresa produzia canecos de chope para colecionadores. Toda a produção era direcionada para o mercado externo. Como as peças exigiam decoração sofisticada, o trabalho era artesanal e dependia totalmente da mão de obra.

Devido aos pedidos dos clientes, que chegavam a um milhão de unidades de alguns modelos, a empresa criou dois setores de aplicação de decalque, com 440 trabalhadoras igualmente divididas entre um e outro.

Como o trabalho dependia da habilidade e da velocidade de cada operadora, a empresa adotou um sistema de ganho variável, de acordo com o nível de produção individual. Havia um salário básico, o piso da categoria, pago independentemente da produção realizada. Se uma operadora atingisse o dobro da produção mínima estabelecida pelo setor de métodos e processos, ganhava 20% do seu salário como prêmio. Se produzisse o triplo, recebia mais 10%. Poucas conseguiam.

Por outro lado, inúmeras funcionárias produziam menos do que o estabelecido e recebiam o piso integral. Como a matéria prima tinha uma incidência muito pequena no custo do produto, a maior parcela estava justamente na mão de obra, o que tornava o custo geral de fabricação proibitivo.

O sistema de trabalho era individual. As operadoras ganhavam conforme sua produtividade. Ocupando uma mesa cada uma, eram acompanhadas por controladoras de qualidade, na proporção de uma para cada dez.

Cada setor tinha um chefe. Como acontece em muitas empresas, os dois chefes não se entendiam. Um criticava a equipe do outro, dizendo que suas decalcadoras eram melhores. Apesar da rivalidade entre os setores, assumida também pelas operadoras, não havia disputa por melhor produtividade. A divergência era puramente pessoal. A transferência do posicionamento do chefe para o grupo é muito frequente em qualquer empresa, mesmo porque pode até ser uma garantia de sobrevivência.

O tempo cronometrado para a colocação do decalque em um caneco era de 25 minutos.

Considerando-se o número de horas trabalhadas por funcionária, descontando um pequeno índice de improdutividade inerente, a produção individual diária deveria ser de 19 canecos.

O clima organizacional era problemático. As funcionárias não aceitavam o estilo de gestão da empresa e viviam em permanente estado de descontentamento.

A empresa era disciplinadora. As funcionárias que chegavam atrasadas recebiam automaticamente uma punição de três dias. Eram dispensadas sem remuneração. Elas também não podiam conversar durante o horário de trabalho e o tempo para ir ao banheiro era controlado – cinco minutos. Os chefes eram duros e ríspidos no relacionamento com a equipe. Exigiam mais produção o tempo todo, principalmente das mais lentas.

Todas reclamavam das normas disciplinadoras, da regra de compensação pelo aumento da produtividade (era necessário dobrar a produção para ganhar mais 20% e triplicar para chegar aos 30%) e da crueldade do chefe por cobrar a produção. Algumas chegavam a produzir menos de cinco canecos por dia. Outras, apenas três.

Nesse contexto, o produto tornava-se extremamente caro. Quando o chefe questionava, era chamado de carrasco e insensível, que não levava em conta as dificuldades das funcionárias, que não via que muitas não tinham a mesma destreza e que jogar duro com elas era uma grande injustiça. O nível energético desses setores era extremamente baixo.

Como a situação estava se tornando insustentável, ficou evidente a necessidade de uma mudança radical. A margem de lucro, já naturalmente baixa, estava sendo corroída pela improdutividade das trabalhadoras. Por outro lado, a empresa dependia dessas funcionárias que tinham uma habilidade que só podia ser adquirida com o tempo e a prática. Era preciso exigir maior produtividade, mas, ao mesmo tempo, havia receio por parte da empresa de perder suas especialistas.

O momento era de decisão. Após estudarmos detalhadamente a situação, sob seus mais variados aspectos, concluímos que era necessário modificar completamente o modelo de gestão destes setores.

Inicialmente abriu-se para as funcionárias, reunidas em grupos de 20, para facilitar o diálogo, todas as informações relativas a custos, preços de venda e rentabilidade dos canecos.

As funcionárias, que não tinham nenhum conhecimento a respeito da composição dos custos de um produto, ficaram impressionadas ao saber o peso da mão de obra sobre o custo total do produto e a baixa margem de rentabilidade dos canecos.

Capa da 2ª Edição 300Nenhuma funcionária admitiu que, caso fosse dona de uma loja de roupas, venderia por dois reais uma camiseta que lhe custara três. A partir desse raciocínio indutivo, concluíram que não era justo a empresa pagar até seis vezes mais pela mão de obra de uma funcionária que produzia apenas três unidades por dia, custo adicional que não podia ser cobrado do cliente.

Depois dessa etapa de esclarecimento, propusemos novas regras para o cálculo do ganho variável. Se antes a funcionária tinha que produzir o dobro para ganhar 20% a mais, agora ganharia o valor integral por cada unidade adicional acima do mínimo de 19 canecos por dia. A decisão foi justa. Se a produção fosse baixa, a empresa teria de contratar pessoas que custariam muito mais por unidade produzida, principalmente nos primeiros tempos, ainda sem habilidade para atingir a produtividade esperada. Mesmo assim, improdutivas, não poderiam ganhar menos que o piso da categoria.

A empresa decidiu abandonar a rigidez relativa ao controle do comportamento individual. Suspendeu o gancho de três dias, liberou a conversa e a ida ao banheiro, porém fez duas exigências: as funcionárias trabalhariam em grupos de dez, dividindo a produção, que deveria ser de 190 canecos por dia, todos bons. Se houvesse necessidade de retrabalho, o próprio grupo o faria. Essa decisão possibilitou a eliminação de um setor onde eram feitos os retoques nos canecos que apresentavam imperfeições após a colocação do decalque, o que exigiu maior qualidade na operação e reduziu o custo do produto. (Continua…)


Este texto é um trecho do livro
“Quando a empresa se torna azul – O poder das grandes ideias”,
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