Quando a Terra se torna azul

O tempo do homem na Terra é ainda um ponto obscuro. Os primeiros hominídeos apareceram há cerca de um milhão de anos. Inicialmente, foram o Australopithecus e o Homo Habilis. Depois, o Pitencanthropus Erectus, 500 mil anos atrás; o Homem de Neanderthal há 120 mil anos; o homem de Cro-Magnon há aproximadamente 40 mil anos e, finalmente, o Homo Sapiens. Já estamos perambulando pela Terra há muitíssimo tempo.

No dia 12 de abril de 1961, a bordo da nave Vostok, em uma órbita de 315 quilômetros de altura, o cosmonauta Iúri Gagarin descobriu o que nenhum ser humano sequer imaginara, com todo o saber científico acumulado na longa jornada neste conhecido planeta. O anúncio repercutiu como uma bomba nos quatro cantos do mundo: “A Terra é azul”.

Bastou afastar-se um pouquinho, a uma distância de apenas 2,6% do diâmetro da Terra, para ver o que ninguém via, mesmo estando imerso nela: sua cor.

Os que já visitaram grandes museus devem ter notado que quem entende de arte se posiciona a uma determinada distância das obras dos grandes mestres. Nem tão perto e nem tão longe. De muito perto, por exemplo, a Mona Lisa, no Museu do Louvre, em Paris, torna-se um emaranhado de pinceladas confusas. A cem metros, é um pequeno quadro cuja figura dificilmente é percebida a olho nu. Mas a alguns poucos metros, o gênio de Leonardo da Vinci se revela com toda a sua magnificência. Só assim é possível mergulhar no universo enigmático do grande mestre renascentista.

No livro The Beatles – Antologia, publicado no Brasil pela Cosac & Naify, página 35, há um desabafo interessante de Ringo Star:

Encontrei de fato um homem que foi à lua e perguntei a ele: Quando a Terra deixou de ser como a conhecemos e ficou redonda como um planeta? E ele disse: Ah, eu estava ocupado demais para notar. Não consegui acreditar! Esta era a grande questão – ele foi talvez o décimo segundo cara a estar lá em cima que poderia ter notado o ponto no qual ela se tornava redonda e não notou. Fiquei chocado. Mas os Beatles também estavam ocupados, lá em cima: embora estivéssemos mudando as coisas, estávamos fazendo e não olhando à nossa volta. Nós éramos aquilo, por isso não estávamos olhando para aquilo.

Mergulhar no problema é o caminho mais rápido para perdê-lo de vista. Mergulhar no mar nos tolhe imediatamente a visão de toda a paisagem. Mesmo ao manter uma distância adequada, não temos garantia de que conseguiremos ver o que deve ser visto. É preciso atenção e prática, além de saber o que precisa ser visto e, principalmente, querer ver. Pais convivem com filhos viciados em drogas sem perceber, enquanto os vizinhos conhecem todos os sórdidos detalhes do problema.

Capa da 2ª Edição 300Diariamente nas empresas acontecem fenômenos dos quais a diretoria não toma o menor conhecimento. E quando percebe alguma coisa sem saber a causa, pode acabar tomando medidas equivocadas, muitas vezes completamente fora do contexto.

Perceber o que está acontecendo é uma questão de habilidade e de posicionamento. As empresas podem dar claras indicações a respeito da órbita em que estão se deslocando, mas esses sinais óbvios nem sempre são percebidos. Em parte pelo despreparo dos gestores, mas, principalmente, pelo seu posicionamento incorreto em relação ao sistema.

Uma empresa é um sistema em constante mutação. Como já foi dito, quando deixada à sua própria sorte, torna-se um espaço fértil para o desenvolvimento dos mais variados movimentos, tanto gerais como grupais. Esses movimentos fazem com que o sistema assuma formas peculiares que só serão percebidas por olhos argutos.

As conjunções vetoriais recorrentes, por mais confusas e conflitantes que pareçam, geram um padrão de comportamento claramente identificável: a empresa se movimentando em uma órbita invisível, repetindo o mesmo caminho dia após dia. Se os resultados apresentarem melhoria consistente continuarão oscilando no sentido de mais melhorias, enquanto que se sinalizarem piora, também consistente, continuarão se deteriorando até assumir um caminho sem volta. É como se fosse atraída pela órbita, motivo pelo qual a órbita é conhecida como atrator.(Continua…)


Este texto é um trecho do livro
“Quando a empresa se torna azul – O poder das grandes ideias”,
de Fabio Freitas Jacques.

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