Em filosofia chama-se Princípio da Autoridade à tendência em reportar-se a uma “autoridade” intelectual anterior, em vez de proceder livremente ao exame de toda e qualquer questão.
Sempre gosto de lembrar a frase “Mais importante é quem diz do que o que é dito”. Ela retrata um dos maiores entraves que dificultam o progresso de muitas empresas. É uma síntese do Princípio da Autoridade.
Se alguém famoso diz uma coisa, esta coisa passa a ser verdadeira. Nada mais falacioso.
Conceitos desprovidos de base científica e até muitas vezes banais são repetidos como mantra tanto nos meios empresariais como na sociedade em geral sem qualquer questionamento, simplesmente porque quem os emitiu é algum personagem de renome.
Diante desta constatação, gurus deitam e rolam.
Se falarmos sobre liderança, por exemplo, cada guru da área apresentará seu próprio cardápio de tipos de líder. Há mais de 50 tipos diferenciados pelas peculiaridades dos supostos liderados. Os 3 tipos originais de líderes, o Liberal ou Laissez Faire, o Democrático e o Autocrático transformaram-se em 6, Autoritário, Indeciso, Democrático, Liberal, Situacional e Emergente, e a esta listagem foram acrescentados o Exigente, o Visionário, o Motivador, o Técnico, o Coach e vários outros, de acordo com cada guru.
E, por serem considerados gurus são seguidos por inúmeros empresários e gestores simplesmente em função do Princípio da Autoridade. Seus conceitos passam a ser a verdade verdadeira.
Outros gurus criaram também a estratificação das gerações. De repente, em função de acontecimentos sociais ou tecnológicos, as pessoas acabaram sendo agrupadas por idade e estereotipadas. Quem é baby boomer é assim, assim e assim, e quem nasceu na década de 1980 age desta maneira, daquela e daquela outra, os quais, por sua vez, são completamente distintos dos Millennials. Outra falácia.
E vamos analisar mais um exemplo: os gurus criaram as Missões, as Visões e os Valores das empresas.
Para início de conversa, os Valores de todas as empresas são iguais. Pode mudar alguma palavra, mas na essência são exatamente os mesmos. Já imaginaram uma empresa que não coloque como seu valor a INTEGRIDADE, a ÉTICA ou o RESPEITO AO CLIENTE? Portanto, por não refletirem qualquer diferenciação se tornam completamente desnecessários.
A Missão, por seu lado, iniciou como uma descrição relativamente detalhada do que a empresa se propunha a fazer, não dando atenção especial aos resultados, os quais, segundo Peter Drucker e Alvin Toffler seriam a recompensa pela realização da Missão. Mas há uma evolução em curso.
Para compreendermos esta evolução, olhemos os exemplos a seguir:
Missão da Kopenhagen:
A Kopenhagen, tradicional grife de chocolates finos, tem como Missão: fabricar produtos de altíssima qualidade, preservando seu sabor com sofisticação e originalidade. Preocupada em proporcionar felicidade através de seus chocolates, está sempre atenta às mudanças do mercado para inovar e ir ao encontro das preferências de seus consumidores, oferecendo as melhores lojas, o melhor atendimento e o melhor produto para consumir e presentear. Trabalhando com prazer e emoção, visamos atender com excelência o interesse do investidor, a motivação do colaborador e a satisfação do consumidor.
Já imaginaram quanto tempo e dinheiro deve ter sido investido para chegar a esta definição?
Com o passar do tempo, as Missões vêm sofrendo mudanças positivas saindo destas definições etéreas e prolixas para se tornarem cada dia mais objetivas e voltadas para a realização de resultados econômico financeiros. Esta é uma boa notícia.
Vejamos abaixo a evolução dentro do Grupo Gerdau:
Em 2010:
Missão: O Grupo Gerdau é uma empresa com foco em siderurgia que busca satisfazer as necessidades dos clientes e criar valor para os acionistas, comprometida com a realização das pessoas e com o desenvolvimento sustentado da sociedade.
Atualmente:
Missão: Gerar valor para nossos clientes, acionistas, equipes e a sociedade, atuando na indústria do aço de forma sustentável.
Nota-se claramente uma guinada no conceito. A geração de valor que se encontrava em plano secundário atrás do atendimento das necessidades dos clientes saltou para o primeiro lugar.
Uma boa versão popularizada poderia ser: “Gerar dinheiro (valor) para todo mundo fabricando aço”.
Algumas empresas estão deixando de lado Missão, Visão e Valores substituindo todo o pacote por Propósito, o que se aproxima muito do conceito de Ideia Atratora, ainda que continue muito disperso quanto à sua implementação. Os 7 passos para a institucionalização de uma Ideia Atratora são muito mais simples, objetivos e eficazes.
A grande onda das Missões, Visões e Valores está começando a passar. Ainda bem.
Coloco agora algumas questões:
- Será que as empresas mudaram tanto que precisaram criar suas Missões, Visões e Valores, que antes não existiam, para poder evoluir e agora começam a abandonar estes conceitos por não serem mais necessários?
- Será que as pessoas mudaram tanto que para gerenciá-las seja preciso criar um novo conceito de liderança a cada dia?
- Será que quem nasceu em 1960 é tão diferente, exceto na idade, de quem nasceu em 1990?
As empresas continuam exatamente iguais às do século XIX e as pessoas continuam exatamente iguais às de todas as eras anteriores. Duas coisas, porém, mudaram significativamente: a tecnologia e a quantidade de gurus. E isto está propiciando a proliferação de miríades de conceitos novos a cada dia.
Parece-me que se faz necessário um novo questionamento: Será que os gurus sempre têm razão? Será que não deveríamos avaliar o que dizem mesmo que seja apenas comparando com a nossa experiência da vida real?
Quando uma nova consciência indagadora criar raízes nas empresas, o questionamento do que é dito será muito mais efetivo e o Princípio da Autoridade sofrerá um tranco muito forte, porém extremamente necessário. Se isto não for feito, continuaremos a achar que MUITO MAIS IMPORTANTE É QUEM DIZ DO QUE O QUE É DITO e permaneceremos correndo alucinados atrás de qualquer sopro de sabedoria emanado pelas mentes privilegiadas de nossos bons e velhos gurus.