O Brown Nose contra-ataca

Já tratei em outra publicação da execrável personagem conhecida como Brown Nose ou Puxa Saco.

Hoje volto ao assunto apresentando um belíssimo texto de Malba Tahan publicado pela primeira vez em 1949, fazendo questão de salientar o ano da publicação porque retrata o Puxa Saco dos primórdios da Geração Baby Boomer. Puxa-saquismo é uma habilidade que transcende as gerações.

A manutenção do Puxa Saco na equipe desfaz a energia e a motivação daqueles que se preocupam com os resultados da empresa porque constatam duramente que a bajulação pode ser mais valorizada do que o esforço e a dedicação.

O autor descreve este fenômeno sempre atualizado, levando-nos ao tempo em que os bichos falavam. Hoje os bichos não falam mais e os BIXOS, em sua maioria, mal conseguem falar, quem dirá, escrever.

Mas vamos de Malba Tahan em mais uma fábula que, como sempre, descreve as situações da vida real alertando todos nós a ficarmos de olho vivo em relação a estas nefandas personagens, e, sendo possível, aprender com o Leão como nos livrarmos destes carrapatos institucionais.

Boa leitura.

O LEÃO, O TIGRE E O CHACAL.

O leão, o tigre e o chacal abandonaram, certa vez, a furna sombria em que viviam e saíram, em peregrinação amistosa, a jornadear pelo mundo, à procura de alguma região rica em rebanhos de tenras ovelhinhas.

Em meio de grande floresta, o temível leão, que chefiava, naturalmente, o grupo, sentou-se, fatigado, sobre as patas traseiras, e erguendo a cabeça enorme soltou um rugido tão forte que fez tremer as árvores mais próximas.

O tigre e o chacal entreolharam-se, assustados. Aquele rugido ameaçador com que o perigoso monarca, de juba escura e garras invencíveis, perturbava o silêncio da mata, traduzido para uma linguagem ao alcance dos outros animais, queria dizer, laconicamente, o seguinte: Estou com fome.

– A vossa impaciência é perfeitamente justificável!
– observou o chacal, dirigindo-se humildemente ao leão.

– Asseguro-vos, entretanto, que conheço, nesta floresta, um atalho misterioso, do qual as brutas feras jamais tiveram notícia. Por ele poderíamos chegar, com facilidade, a um pequeno povoado, quase em ruínas, onde a caça é abundante, fácil, ao alcance das garras, e isenta de qualquer perigo!

– Vamos, chacal!
– Acudiu de pronto, o leão.

– Quero conhecer e admirar esse recanto adorável!

Ao cair da tarde, guiados pelo chacal, chegaram os viajantes ao alto de um monte, não muito elevado, donde se descortinava uma pequena e verdejante planície.

No meio dessa planície achavam-se, descuidados, alheios ao perigo que os ameaçava, três pacíficos animais: uma ovelha, um porco e um coelho. Ao avistar a presa fácil e certa, o leão sacudiu a juba abundante num movimento de incontida satisfação. E com os olhos brilhantes de gula, voltou-se para o tigre e rosnou, em tom possivelmente amistoso:

– Ó tigre admirável! Vejo ali três belos e saborosos petiscos: uma ovelha, um porco e um coelho! Tu, que és vivo e esperto, deves saber, com talento, dividir 3 por 3. Faze, pois, com justiça e equidade, essa operação fraternal: dividir 3 caças por 3 caçadores!

Lisonjeado com semelhante convite, o vaidoso tigre depois de exprimir com uivos de falsa modéstia a sua incompetência e o seu desvalor, assim respondeu:

– A divisão que generosamente acabais de propor, ó rei, é muito simples e fazer-se com relativa facilidade. A ovelha, que é o maior dos três petiscos, o mais saboroso e, sem dúvida, capaz de saciar a fome de um bando de leões do deserto, cabe-vos, de pleno direito. A ovelha será vossa exclusivamente vossa!

Aquele porquinho magro, sujo e despiciendo, que não vale uma perna da bela ovelha, ficará para mim, que sou modesto e com bem pouco me contento. E, finalmente, aquele minúsculo e desprezível coelho, de reduzidas carnes, indigno do paladar apurado de um rei, tocará ao nosso companheiro chacal, como recompensa pela valiosa indicação que há pouco nos proporcionou.

– Estúpido! Egoísta!

– Rugiu o pavoroso leão, tomado de fúria indescritível.

– Quem te ensinou a fazer divisões dessa maneira, imbecil? Onde já viste uma partilha de 3 por 3 ser resolvida desse modo?

E, erguendo a pesadíssima pata, descarregou na cabeça do desprevenido tigre tão violenta pancada que o atirou morto a alguns passos de distância.

Em seguida, voltando-se para o chacal, que assistira, estarrecido, àquele trágico desfecho da divisão de 3 por 3, assim falou:

– Meu caro chacal! Sempre fiz da tua inteligência o mais elevado conceito. Sei que és o mais engenhoso e esclarecido dos animais da floresta, e outro não conheço que possa levar-te a melhor na habilidade com que sabes resolver os mais inextricáveis problemas. Encarrego-te, pois, de fazer essa divisão simples e banal, que o estúpido do tigre (como acabaste de ver) não soube efetuar satisfatoriamente. Estas vendo, amigo chacal, aqueles três apetitosos animais, a ovelha, o porco e o coelho? Somos dois, e os animais apetitosos são três. Pois bem: vais dividir os três por dois! Vamos: faze logo os cálculos, pois preciso saber qual é o quociente exato que a mim cabe!

– Não passo de humilde e rude servo de Vossa Majestade – ganiu o chacal, em tom humílimo de respeito.Cumpre-me, pois, obedecer cegamente à ordem que acabo de receber. Vou, como se fora um sábio geômetra, dividir aqueles três animais por nós dois. Trata-se de uma simples divisão de 3 por 2! A divisão matematicamente certa e justa é a seguinte: a admirável ovelha, manjar digno de um soberano, cabe aos vossos reais caninos, pois é indiscutível que sois o rei dos animais; o belo bacorinho, do qual estou ouvindo os harmoniosos grunhidos, deve caber também ao vosso real paladar, visto dizerem os entendidos que a carne de porco dá mais força e energia aos leões; e o saltitante coelho, com suas longas orelhas, deve ser, também, por vós saboreado a título de sobremesa, já que aos reis, por lei tradicional entre os povos, cabem sempre, como complemento dos opíparos banquetes, os manjares finos e delicados.

– Ó incomparável chacal! – exclamou o leão, encantado com a partilha que acabava de apreciar.

– Como são harmoniosas e sábias as tuas palavras! Quem te ensinou esse artifício maravilhoso de dividir, com tanta perfeição e acerto, 3 por 2?

– A patada com que vossa justiça puniu, há pouco, o tigre arrogante e ambicioso, ensinou-me a dividir, com segurança, 3 por 2, quando, desses dois, um é leão, outro é chacal! Na matemática do mais forte, penso eu, o quociente é sempre exato, e ao mais fraco, depois da divisão, nem o resto deve caber!

E, desse dia em diante, sugerindo sempre divisões dessa ordem, inspirada na mais torpe sabujice, julgou o astucioso chacal que poderia viver tranquilo a sua vida de bajulador, a regalar-se com os sobejos que deixava o sanguinário leão.

Enganou-se.
Decorridas duas ou três semanas, o leão, irritado, faminto, desconfiou do servilismo do chacal e deu-lhe violenta patada, matando-o cruelmente.

Cabe aqui advertir.

É que a verdade deve ser dita, redita, e quarenta vezes repetida:

– O castigo está mais perto do pecador do que as pálpebras estão dos olhos!

– Encerra essa fábula, que acabamos de ouvir, profunda lição de moral. Os vis bajuladores que rastejam nas cortes, sobre os tapetes dos poderosos, podem, a princípio, tirar algum proveito da subserviência, mas, no fim, são e serão sempre castigados! 

Do livro: O homem que calculava

O Brown Nose contra-ataca
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